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NTU traz diagnóstico do transporte público por ônibus

4 de setembro de 2018

O diagnóstico do atual cenário do transporte público baseou-se no mapeamento e na avaliação dos principais elementos do setor. Essa abordagem permite identificar e analisar o comportamento das principais características do transporte coletivo por meio de elementos-chave. Além do entendimento do cenário atual, o diagnóstico setorial permite embasar possíveis encaminhamentos e a elaboração de futuras propostas para redução e/ou mitigação dos problemas encontrados. A análise de demanda, a estimativa dos custos para o cálculo tarifário e a avaliação do desempenho do serviço ofertado (produtividade) foram identificados como os elementos fundamentais na composição do diagnóstico do setor (FIGURA 1).

Pelo atual modelo de negócios, a tarifa é um dos principais indicadores de acesso dos usuários aos sistemas de transportes. Tarifas maiores tendem a dificultar o acesso das classes com menor poder aquisitivo ao transporte público, que é garantido como direito constitucional ao cidadão. Juntamente com a tarifa, a demanda e a produtividade da operação são os indicadores que formam a pirâmide setorial (FIGURA 1), responsável por garantir a sustentabilidade e viabilidade (equilíbrio) do serviço ofertado.

Além da avaliação de cada componente, é imprescindível a compreensão de que os elementos da pirâmide setorial (FIGURA 1) possuem efeitos concomitantes e, a depender das ações adotadas, podem gerar impacto entre si. Por exemplo, a promoção de medidas para aumentar a produtividade da operação pode afetar também na redução dos custos do sistema (menores tarifas) e, consequentemente, atrair mais demanda ao transporte público. Nesse sentido, para uma análise mais completa, avaliaram-se primeiramente os três componentes de forma isolada e, num segundo momento, consideraram-se a interface e o relacionamento entre cada item selecionado.

1. OS CUSTOS E A TARIFA DO TRANSPORTE PÚBLICO

Historicamente, os custos do transporte público vêm crescendo linearmente a cada ano, o que implica tarifas cada vez maiores. Segundo acompanhamento realizado pela NTU com dados do IBGE, desde 1995 as tarifas do transporte público por ônibus cresceram 847,5%, valor bem acima da inflação (IPCA) para o mesmo período de análise (FIGURA 2). Isso se deve, principalmente, ao aumento dos principais insumos do transporte público, ao aumento de gratuidades e à alta carga tributária (36% do custo total) associada ao serviço. Somados, esses itens oneram e aumentam o custo necessário para a operação e, consequentemente, o valor das tarifas, que é diretamente proporcional aos custos do sistema.

Somente os custos com mão de obra (motoristas, cobradores, fiscais, despachantes) e com combustível representam 70% do valor das tarifas. Em 2017, as variações acumuladas apenas desses itens foram 2,3% e 5,4% superiores à inflação, respectivamente. A mesma análise para as últimas décadas (1995-2017) revela diferenças de 173,7% e 248,8%. No último ano, o aumento combinado da mão de obra e do óleo diesel (principal combustível) representou um impacto de 4,5% nas tarifas de ônibus, também acima da inflação do período (2,9%). Além disso, para a composição dos custos (FIGURA 2), consideraram-se também quaisquer custos adicionais relacionados às condições particulares contratuais e operacionais de cada cidade (aquisição de novos ônibus, implantação de ar-condicionado, adoção de veículos menos poluentes, disponibilização de internet para os usuários e novas tecnologias, por exemplo).

O crescimento progressivo dos custos do transporte público, principalmente dos principais insumos, sempre superior à inflação, ilustra claramente a falta de políticas de incentivo e prioridade ao transporte coletivo. Ainda na FIGURA 2, o custo acumulado com veículo próprio (que inclui os gastos com aquisição de veículos, emplacamento, licenciamento, pneu, peças e acessórios, combustível etc.) foi 703,7% e 242,7% menor que o custo dos ônibus e o IPCA dos últimos 23 anos, respectivamente. Isso indica que, apesar de todos os efeitos negativos sobre a mobilidade urbana, o transporte individual continua sendo priorizado no sistema de transporte atual. Além do aumento de custos pelo crescente preço dos insumos, as gratuidades adotadas representam outro ônus às tarifas do transporte público. Ao longo das últimas décadas, o número de passageiros que usufrui de algum benefício tarifário (gratuidade) vem crescendo e já representa 20,9% dos passageiros transportados, conforme indicado na FIGURA 3. Em alguns sistemas esse número ultrapassa a metade da demanda diária.

Segundo estudos da NTU (2017), as passagens podem ser reduzidas em até 20,9% se houver o financiamento das gratuidades por outras fontes, específicas para o custeio dos benefícios. Atualmente, o custo das gratuidades é repassado diretamente para os demais usuários que pagam a tarifa integralmente. Ou seja, além do custo unitário de transporte, a tarifa inclui também o custo das gratuidades. O financiamento adequado das gratuidades por fontes exclusivas de custeio, além de reduzir imediatamente o valor das tarifas, garante justiça social aos usuários do transporte público.

2. HISTÓRICO DA DEMANDA

Em descompasso com o aumento dos custos, o transporte público por ônibus perdeu 35,6% dos passageiros pagantes em pouco mais de 20 anos (FIGURA 4). Isso ajuda a explicar, por exemplo, o aumento das tarifas identificado na seção anterior, já que agora há menos usuários rateando os custos da operação e a oferta não é reduzida na mesma proporção da queda do número de passageiros. Há sistemas que registraram perdas de 22% de passageiros apenas no último ano vigente (2016-2017). Considerando um horizonte mais amplo de análise, esse número pode alcançar picos de até 45% de redução da demanda desde 2007 (10 anos).

A queda da demanda agravou-se especialmente nos últimos cinco anos (a partir de 2014), culminando em uma redução média acumulada de 25,9% dos usuários pagantes. Isso implicaria, por exemplo, o impacto imediato de 35% de aumento das tarifas para manter o equilíbrio financeiro dos serviços de transporte público. A FIGURA 4 apresenta o histórico de variação anual e acumulada de demanda desde 1993. Em 2017, a redução média de demanda foi de 9,5% (a terceira maior redução de demanda desde o início da série histórica), mas é importante ressaltar que das nove capitais analisadas (Anuário NTU), sete cidades tiveram perdas acima da média (9,5%), registrando redução anual média de até 15,6% dos passageiros.

Ao longo da série histórica (FIGURA 4),houve três momentos importantes a serem considerados: o primeiro período de queda da demanda (1996-2004); o período de estabilidade relativa da demanda (2005- 2013); e o retorno de perda da demanda (desde 2014). No primeiro período de queda, houve redução de 35,4% dos passageiros em nove anos. No último período, em apenas quatro anos, a redução já somou 25,9%. Ou seja, para o período de análise atual (2014-2017), a taxa média de redução da demanda é de 7,2% ao ano (2,6 % a mais que no período de 1996-2004).

O impacto negativo para a mobilidade urbana vai além da perda de passageiros pagantes (efeito financeiro), mas amplia-se na real parcela da população que reduziu o número de viagens de transporte público e migrou para outros modos de transporte, como os automóveis e motocicletas (acarretando efeitos socioambientais negativos). Segundo pesquisa realizada pela CNT/NTU (2017), o ônibus deixou de ser utilizado por uma parcela considerável da população. Entre os entrevistados, 38,2% deixaram de utilizar o ônibus como meio de transporte público, dos quais 16,1% deixaram de utilizar totalmente e outros 22,1% diminuíram seu uso. Na comparação com a pesquisa anterior realizada em 2006, houve um aumento de 24,2% dos brasileiros que diminuíram ou deixaram de utilizar totalmente o ônibus para deslocar-se nos municípios. Ou seja, parte das viagens que outrora eram realizadas por transporte público foi absorvida pelo modo de transporte individual, provocando mais congestionamentos, emissão de poluentes, acidentes etc.

3. PERDA DE PRODUTIVIDADE

O aumento dos custos e, consequentemente, das tarifas, aliado ao impacto dos congestionamentos, afeta a produtividade e a qualidade do transporte público. Conceitualmente, a produtividade é entendida como a capacidade de fazer mais, utilizando cada vez menos recursos e tempo. Além disso, a produtividade é a expressão da eficiência do serviço ofertado. No caso do transporte público, a produtividade/eficiência pode ser medida pelo número de passageiros transportados em relação ao custo do sistema (produtividade financeira) ou à quilometragem percorrida (produtividade operacional). A velocidade comercial dos ônibus é um importante indicador para medição da produtividade operacional do transporte público, já que os parâmetros como tempo de viagem, frequência, alocação de frota (entre outros) são impactados diretamente pela alteração da velocidade de operação. Além do efeito imediato do aumento do tempo das viagens pelos congestionamentos e disputa dos ônibus no espaço viário com os demais modos de transportes motorizados, a redução da velocidade operacional resulta também em acréscimo de custos para o sistema. Isso é especialmente agravado (e perceptível) ao decorrer do contrato, quando há necessidade de mais veículos, motoristas, cobradores e insumos para disponibilizar a mesma frequência e intervalo de viagens estabelecidos nos primeiros anos da operação. Em um contrato de 10 anos, por exemplo, os custos da falta de priorização (redução da velocidade operacional) podem representar aproximadamente 20% da composição tarifária (NTU, 2017). Essa composição é estimada baseando-se na premissa de que, com a priorização viária, a velocidade operacional, no mínimo, manter-se-á ao longo do contrato. Quando não se estabelece prioridade, existe uma redução média de 1,68% ao ano na velocidade operacional, conforme estudos realizados pela ANTP (2012) e BHTRANS (2016). A FIGURA 5 simula a composição dos custos ao longo do contrato para operação de um sistema de transporte público por ônibus.

Fonte: NTU